Controle, controle, não vejo a terra!”. A desesperada frase do piloto Edilberto Villar Molina, que levava a delegação do Alianza Lima, do Peru, estampada na capa do jornal “La Republica”, de Lima, Peru, de 11 dezembro de 1987, certamente não foi lida no momento por Paolo Guerrero. À época com três anos de vida, o atual atacante corintiano era apenas o mascote da equipe e acompanhava o tio José “Caico” Gonzales Ganoza, goleiro, em alguns jogos do time em casa.
Antes mesmo de entender o significado daquela manchete na capa do jornal, o atacante do Corinthians perdeu o parente no desastre aéreo que matou 43 pessoas, entre elas, todos os jogadores titulares, reservas e comissão técnica da tradicional equipe peruana - curiosamente, apenas o piloto sobreviveu. O elenco, acompanhado por torcedores, tripulantes e árbitros, retornava de uma vitória por 1 a 0 sobre o Deportivo Pucallpa. À época, não havia voos comerciais disponíveis, e as equipes viajavam em aviões fretados. O Fokker F-27, da Marina de Guerra do Peru, caiu próximo ao Aeroporto Jorge Chavez, de Lima, no mar de Ventanilla.

Segundo pai e medo de avião
Irmão de Petronila Gonzales, mãe de Paolo Guerrero, Caico era extremamente ligado ao sobrinho. Por isso, fazia questão de levar o corintiano, ainda recém-nascido, aos estádios. Seu prazer era carregar o pequeno para todo lado. Familiares e pessoas que conviveram com Caico nos quase quatro anos iniciais da vida de Guerrero dizem que o goleiro era o segundo pai do jogador.
- Foi horrível. Dor atrás de dor. Ninguém conseguia consolar ninguém, porque todos tinham alguma pessoa ligada ao acidente. Difícil – recorda Rafael Castillo, 85 anos e treinador de Paolo dos 11 aos 15 anos na base do Alianza.
Como todo assunto polêmico, a consequência disso tudo na vida de Guerrero gera controvérsias. Muito se fala que o atleta tem medo de avião. Julio Rivera, seu irmão, nega. Ele lembra que Paolo não tinha noção do que acontecera quando pequeno e afirma que a única coisa que tirou o sono do atacante recentemente foi a ruptura dos ligamentos do joelho esquerdo em 2009, quando o tratamento realizado afetou seu sistema nervoso.
Por outro lado, Juan Gonzales Ganosa, irmão de Petronila e do próprio Caico, discorda. Ele acredita que parte da aversão de Paolo a aviões tem, sim, ligação com a tragédia que matou seu tio. Versão compartilhada e bancada pela imprensa local.
De qualquer forma, foi dentro de um avião e após uma lesão no joelho, desta vez no direito, que Guerrero fez tratamento intensivo durante a viagem de 14 horas do Brasil até Dubai, nos Emirados Árabes, escala no caminho para o Japão. Como todos os corintianos sabem, seu esforço foi muito bem recompensado.
Mistério e homenagens seguem
Depois de 25 anos da tragédia, ainda não se tem certeza absoluta das reais causas da queda do avião. Entre as várias teorias levantadas, algumas colocam em xeque a habilidade do piloto Edilberto. Até 2007, ele vivia na Flórida, nos Estados Unidos. Foi blindado para que não tivesse problemas, pois os familiares das vítimas o questionavam demais. Hoje, não se sabe ao certo onde o piloto está. Mas a versão mais repetida no Peru é de que houve uma falha mecânica determinante para a queda.
No último dia 8 de dezembro, familiares e pessoas próximas aos mortos no acidente realizaram uma missa, sob a imagem de San Martin de Porres, santo de devoção de inúmeros peruanos. Curiosamente, a estátua foi um presente de "Caico" ao irmão Juan Gonzales, guardado desde 1975 e que até hoje está na casa onde Paolo Guerrero viveu seus primeiros anos de vida.
Além da missa, o próprio clube fez uma homenagem para imortalizar a memória da equipe. Em 1987, assim como tantas outras, a família Gonzales levou um duro golpe e perdeu um de seus representantes no futebol, mas o DNA da bola e o amor ao Peru foram repassados ao antes mascote e agora ídolo nacional Paolo Guerrero.
Confira a mensagem de homenagem aos falecidos em 1987
"Aos íntimos de “La Victoria” (bairro da sede do Alianza Lima), que com orgulho vestiram a camisa branco e azul, hoje queremos homenagear, imortalizar em nossas recordações e perpetuar, por meio destas imagens, suas glórias, futebol, gols e tradição.
"Já são 25 anos desde que eles foram receber bênçãos do céu, já que entregaram a vida e o coração para usar a majestosa camisa branca e azul, e faziam a bola rolar a nosso favor. Por isso, hoje, aqui na nossa casa, onde cresceram e foram grandes, nós temos o privilégio de conhecer e comemorar em vida os feitos dos nossos grandes irmãos, que jogaram com classe no campo e nos deliciaram com seu bom futebol a cada partida.
"Esse quadro de imagens vai para eles, seus parentes e para toda a família branca e azul. Também para a nova geração de torcedores que não teve a oportunidade de conhecê-los, porque isso faz parte da nossa história. Nosso clube sobreviveu e viveu a pior tragédia do esporte nacional, mas estamos aqui para dizer: “Viva o Alianza, senhores”. Porque o agradecimento é a memória do coração, de nossos corações pintados de branco e azul. Essa memória do coração que, como diria Garcia Márquez, elimina as más recordações e magnifica as boas, e graças a esse artifício, aprendemos a lidar com o passado".
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